27 de dezembro de 2015

Picaretagem Gospel - "Apóstolo" Agenor Duque inventa mais uma moda, e o povo gosta!

culto do Bispo Agenor Duque da igreja evangelica  Plenitude do Trono de Deus (Foto: Rogério Cassimiro/ÉPOCA)
Do alto do púlpito, diante de cerca de 7 mil fiéis com as cabeças cobertas por um pequeno pano avermelhado, um homem vestindo uma roupa que imita estopa aponta o dedo para um rapaz da plateia: “Você é homossexual?”, diz ao microfone. Ao ouvir uma resposta afirmativa, continua: “E você quer sair do homossexualismo?”. O interlocutor diz que sim, e é convidado a subir no altar. Enquanto uma canção entorpecente embala a cena, o líder espiritual cerra os dois punhos, ergue os braços e grita: “No milaaaagre de Manassés, Deus apaga da memória agora todo o passado de sofrimento. No milaaaagre de Manassés, Deus faz a pessoa esquecer que um dia foi homossexual”. Volta a se dirigir ao rapaz.

– Seu nome?
– Junior.
– Você tinha alguma vida errada no passado?
– Não.
– Pensei que você era gay... Pensei que você morava com um homem...
– Não, Deus me livre.

Como que num passe de mágica, Junior diz que nunca gostou de homens. Na semana seguinte, volta ao mesmo altar para contar o desfecho de sua história. Diz que seu namorado, ao saber da conversão, caiu no choro. A mãe, surpresa com o esquecimento súbito, cogitou levar o filho a um hospital. Entre gritos entusiasmados de “aleluia” e “eu creio”, o público se levanta e aplaude a transformação.
O homem das vestes de saco – um figurino para demonstrar humildade diante de Jesus Cristo – é o autoproclamado apóstolo Agenor Duque, um paulistano de 37 anos, filho de pais separados, crescido numa família pobre da Zona Leste de São Paulo, ex-viciado em drogas. No concorrido mercado das igrejas neopentecostais, Duque é o pastor emergente do momento. Com uma forte vocação teatral e adepto da prática de prometer o impossível, Duque abocanha cada vez mais fiéis e começa a incomodar as igrejas concorrentes. Além das usuais curas de doenças e vícios, Duque promete apagar o passado da mente dos fiéis.
Não hesita em abusar de condutas preconceituosas, como propagar o “milagre” de fazer um homem esquecer a homossexualidade ou enfrentar num duelo um suposto adepto do candomblé. Prova de sua destreza para lotar igrejas e influenciar opiniões, o deputado e pastorMarco Feliciano não sai do altar da Plenitude. Na campanha eleitoral do ano passado, o tucano Geraldo Alckmin, reeleito governador de São Paulo, ajoelhou-se no púlpito de Duque.
Num roteiro já conhecido entre os pastores das neopentecostais, Duque começou na Igreja Universal do Reino de Deus e migrou para a Mundial – até que teve uma “visão espiritual” e decidiu criar seu próprio templo. Em setembro de 2006, abria a porta da Igreja Apostólica Plenitude do Trono de Deus. Com R$ 25 mil da venda de um Astra, Duque comprou algumas poucas horas nas madrugadas de rádios e alugou um galpão na Avenida Celso Garcia – que, pela facilidade de acesso e circulação intensa, concentra boa parte das igrejas neopentecostais. Há dois anos, Duque tinha cinco modestas igrejas em São Paulo.
Hoje, são pelo menos 20, espalhadas por São Paulo, Amazonas, Minas Gerais, Rio de Janeiro, Goiás e Distrito Federal – sem contar as dezenas de núcleos, galpões abertos pelo interior que, ainda sem documentação, não são considerados templos. No ano passado, a Plenitude firmou uma espécie de joint venture evangélica com a igreja de André Salles, o líder evangélico responsável pela conversão da ex-senadora Marina Silva, para aportar em Brasília. Em dois anos, a Plenitude saltou de quatro para 18 horas no canal de televisão RBI. Só entre outubro e novembro, passou de quatro para mais de nove na Rede Brasil TV.

>> “Deus me revelou que Marina será a próxima presidente”, afirma o pastor que converteu a candidata
O traje de saco nos cultos é uma espécie de abadá para uma encenação de pobreza. Há tempos Duque deixou a dureza para trás. Como os adeptos do funk ostentação, fora do palco ele se enfeita com cordões, anéis e relógios dourados, bonés e tênis de marcas como Nike e Hugo Boss e adora exibir-se no Instagram. Dirige um Porsche e um BMW. Já se exibiu em um vídeo com uma Ferrari – após críticas de internautas, recuou e disse que o carro era de um “amigo”, o pastor Arthur Willian Van Helfteren, da Igreja Universal do Reino de Deus.
Sempre que viaja, Duque evita apertar o corpanzil nas poltronas da aviação comercial; prefere o conforto de um bimotor Cessna Citation. De acordo com os registros da Agência Nacional de Aviação Civil, a aeronave pertence à Cimeeli Comércio e Indústria, uma empresa sem rastro. O telefone atribuído à Cimeeli é residencial e seus sócios não foram localizados.
Em um universo em que não faltam exageros, os cultos de Duque são espetáculos ainda mais histriônicos. Ele atua em parceria com a mulher, a autointitulada bispa Ingrid Duque, e mais recentemente com o filho adotivo, o pastor Allan. Em suas performances, Agenor Duque intercala suas falas com expressões incompreensíveis que diz virem da língua do Espírito Santo – “Traz o óleo, quibalamacia balabaliã”, diz, em meio ao culto, enquanto checa mensagens no telefone. Suas orações quase sempre terminam com um “hallelujah”, num esforçado sotaque americano.
“A religiosidade brasileira sempre foi muito sincrética. O brasileiro valoriza tudo o que o ajuda a se relacionar diretamente com o sagrado”, afirma Rodrigo Franklin de Sousa, professor de pós-graduação em ciências da religião da Universidade Presbiteriana Mackenzie. “O teatro cai como uma luva.” Os cultos da Plenitude reúnem dramas humanos de todos os tipos. Há mulheres traídas pelo marido, fiéis com pendências com a Justiça, mães desesperadas para tirar o filho da prisão, pais de família desempregados, viciados que tentam resgatar a dignidade.
Converter os dramas em espetáculo e gerar lucro requer organização. Nos cultos de domingo, mais lotados, a igreja é dividida em quadras imaginárias, cada qual vigiada por um pelotão de obreiros. Numa cerimônia, um homem se exaltou e foi contido por seguranças. Curiosa, parte da plateia foi repreendida pelos obreiros: “Deus está no altar lá na frente. Parem de olhar para o lado”.
culto do Bispo Agenor Duque da igreja evangelica  Plenitude do Trono de Deus (Foto: Rogério Cassimiro/ÉPOCA)
Em um dos episódios mais plásticos, no ano passado, Duque estava no altar quando um dos obreiros avisou sobre um homem que, sem abrir a boca, se apresentava como pai de santo e o desafiava. Rodando uma jaqueta ao redor do corpo, o homem subiu ao palco e foi ao encontro de Duque. Como se estivesse num MMA espiritual, Duque encostou a cabeça no adversário, deu dois gritos e – shazam! – o sujeito desmilinguiu-se. A plateia foi ao delírio. “O público gosta”, diz Paulo Romeiro, doutor em ciências da religião. “A igreja neopentecostal brasileira é cega, infantilizada, cheia de picaretas e cambalacheiros.”
Tanto cultos quanto programas no rádio e na TV da Plenitude têm um roteiro simples, que converge para a arrecadação. A pregação da Bíblia é quase inexistente. Invariavelmente, o pastor apresenta um “milagre” e, na sequência, pede dinheiro ostensivamente. Numa tarde de terça-feira, em outubro, uma pastora da Plenitude pediu aos fiéis que abrissem suas Bíblias em 1 Reis 17. A passagem conta a história de uma viúva miserável que, diante de uma onda de fome, doou tudo o que tinha – um punhado de farinha na panela e um pouco de azeite numa botija – a um profeta desconhecido, antes mesmo de alimentar o filho.
Ao final da leitura do capítulo, a pastora gritou ao microfone: “Deus está me dizendo que alguém aqui tem R$ 50 na carteira, é tudo que essa pessoa tem. Se você sentiu que esse chamado é para você, faça como a viúva. Ela deu tudo que tinha, e foi recompensada”. Uma mulher se encaminhou ao altar e retirou a única nota de R$ 50 da carteira. Os pedidos aos demais continuaram num crescente. “Prova para Deus que você acredita. Precisa ser um sacrifício grande, algo que dói! Limpa a carteira! Raspa a carteira! Ou faz como uma mulher no culto desta manhã, que doou o próprio carro.”
A adivinhação no púlpito, diz um ex-obreiro da Plenitude, não passa de uma trapaça. Na chegada à igreja, os fiéis com um pedido especial preenchem uma ficha com sua história – depois colocada no altar. Enquanto lê disfarçadamente o relato, o pastor repete tudo ao microfone como se estivesse tendo uma epifania. Ao reconhecer sua história, o fiel emocionado se dirige ao altar e confirma o milagre. “São verdadeiras empresas da fé”, afirma o teólogo João Flávio Martinez, presidente do Centro Apologético Cristão de Pesquisas. Os pastores que arrecadam mais são recompensados e ascendem. “Eles recebem até bônus”, afirma um ex-obreiro da Plenitude. “Eles dizem que você tem de entrar na mente da pessoa, convencê-la a aceitar o que você diz”, afirma.
Às quintas-feiras, numa reunião fechada de presbíteros, os mais experientes recomendam “agressividade” e “olhar clínico” para identificar potenciais doadores. “Os pastores dessas igrejas são bem preparados, fazem cursos de marketing, de gestão, de oratória. A lógica é unicamente de mercado. Não existe uma base de doutrina”, diz Rodrigo Sousa. Os pastores das maiores agremiações fazem cursos específicos de gestão financeira de igrejas no exterior. A hierarquia é rígida. Como um presidente de empresa, Agenor Duque convive com poucos de seus comandados. Usa até mesmo uma entrada exclusiva na sede. Os insistentes pedidos de entrevista de ÉPOCA – todos negados – percorreram três instâncias antes de chegar a ele.
Em sua incansável cruzada por arrecadação, a Plenitude promove campanhas temáticas com objetivos específicos. Uma do Vale de Elah, traz um boneco recente, gigante que procura reproduzir a figura do rei David, vestido como um guerreiro, com escudo e espada no altar da igreja. Uma loja vende diversos badulaques inspirados longinquamente em temas bíblicos. A gama de produtos inclui a marca própria de roupas e acessórios femininos da bispa Ingrid, na loja Amor Oficial.
Os looks – saias estampadas, calças boca de sino, bolerinhos e vestidos longos com estampas em três dimensões – usados por Ingrid na TV e nas redes sociais são reproduzidos por boa parte das fiéis nos cultos. “Quem usa é escolhida por Deus”, diz Ingrid no Instagram da marca. Como a inflação não respeita nem o sagrado e não está fácil nem para milagreiros, na Amor Oficial também tem liquidação – só muda o nome: a Black Friday, o dia internacional do desconto, chama-se White Friday.
O ritmo de inovação da Plenitude é incessante. Recentemente, Duque passou a pedir o 13º salário dos fiéis – e até o Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS). Para os próximos meses, planeja a construção de um novo templo, para o qual criou uma campanha específica, cuja contribuição começa em R$ 1.000. Em fevereiro, pretende lotar o Maracanãzinho, no Rio de Janeiro, com capacidade para 13 mil pessoas, e o estádio do Canindé, em São Paulo, que acomoda 21 mil pessoas, com uma atração internacional: o controverso pastor Benny Hinn, que percorre o mundo com seus megacultos milagrosos. “Com a crise financeira, as igrejas neopentecostais estão tendo de se reinventar para entregar resultados”, afirma Rodrigo Sousa. No que depender da criatividade de Duque, a Plenitude pode superar limites.

Banca da unção  (Foto: Época )

2 de outubro de 2015

Assembleia de Deus lança Operadora de Telefonia Celular Personalizada

Prefiro manter o silêncio perante uma coisa assim!

A Assembleia de Deus, com mais de 18 milhões de fiéis no Brasil, é a mais nova instituição do mercado de telefonia móvel. A igreja anunciou o lançamento de uma operadora de celular batizada de "Mais AD".
Com "conteúdos aprovados por líderes evangélicos", a operadora quer "conectar ainda mais todos os cristãos". Serviços como acervo de músicas gospel, apps evangélicos, contato direto entre fiéis e com a direção da Assembleia de Deus e promoções são alguns dos serviços prometidos.
Vale lembrar que as igrejas buscam constantemente a presença nesse tipo de mercado: a televisão por assinatura é uma das que já contam com serviços de instituições religiosas. 
No site da "Mais AD", que ainda parece em desenvolvimento, constam ainda itens como "Contribuição às Igrejas" e uma ajuda para "reverter recursos provenientes das vendas para ajudar de forma solidária Igrejas e pessoas". Tais serviços ainda não foram explicitados pela instituição.

Utilizando capacidade de rede empregada pela Vivo, a "Mais AD" é uma parceria da igreja com a empresa Movtell, que tem como um dos investidores um ex-presidente da Oi. A cobertura do sinal e dos serviços será nacional.

25 de julho de 2015

Thalles Roberto deixa carreira gospel

Caio Fábio fala sobre a decisão do cantor gospel Thalles Roberto, em deixar a música gospel e voltar para a carreira secular.



5 de julho de 2015

Diferença Entre Fé e Religião

A religião é definida e compreendida como "um conjunto de crenças relacionadas com aquilo que a humanidade considera como sobrenatural, divino e sagrado, bem como o conjunto de rituais e códigos morais que derivam dessas crenças", da não se pode dizer o mesmo. A é fundamentalmente resposta a uma proposta feita à liberdade do ser humano, que é a ela chamado a responder com todas as dimensões de seu ser. Trata-se, portanto, de um momento segundo, posterior, assentimento a algo proposto anteriormente por outro. Crer não é, portanto, iniciativa humana que busca um espaço para desaguar suas inquietudes e frustrações, mas pelo contrário, atitude fundamental de recepção, aceitação, que gera então entrega, compromisso e empenho radical da vida.

Todo o sentido, toda a importância e a relevância da fé, portanto, vêm do fato de ser uma experiência que secunda uma proposta que vem de Alguém. Alguém não é igual à mim ou a todos. O mais importante na dinâmica de fé é, pois de quem é a proposta à qual se responde e que conseqüências este crer desencadeia em minha vida. Respondendo a esta questão, chega-se ao que a Teologia Fundamental denomina Revelação.

A religião seria, então, o suporte doutrinal, ritual, moral no qual essa fé se expressará dentro de uma sociedade que é humana e tem necessidade de organizar suas experiências mais importantes. A religião se torna instituição e isso é de extrema importância para que a fé das gerações vindouras encontre um espaço e uma comunidade onde tenha apoio e condições para o seu crescimento.

18 de maio de 2015

Meu Deus e meu conflito

“Meu Deus e meu conflito”. Teologia e literatura

Para o professor Waldecy Tenório, o sagrado e o profano se encontram na literatura, sendo a poesia a última forma de êxtase

Por: IHU Online


Ao falar sobre a ligação entre teologia e literatura, o professorWaldecy Tenório, do Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo (USP), considera profundas as relações entre essas duas áreas. “Dessas que se dão nas camadas subterrâneas do texto. E os teólogos e os críticos, mais do que nunca, estão descobrindo isso”, afirmou, em entrevista concedida por e-mail para a IHU On-Line. Para ele, “não seria possível desconhecer o encontro entre a fé e o ceticismo no interior da literatura”.
Tenório é graduado em Letras Clássicas com doutorado em Filosofia pela Universidade de São Paulo. É autor de A bailadora andaluza: a explosão do sagrado na poesia de João Cabral(São Paulo: Ateliê Editorial, 1996) e de ensaios publicados na grande imprensa e em revistas acadêmicas nacionais e internacionais sobre as relações entre literatura e teologia. Atualmente, atua como professor associado da PUC-SP e é pesquisador do Instituto de Estudos Avançados da USP.
IHU On-Line - Como foram no passado e como se desenham hoje as relações entre literatura e teologia?
Waldecy Tenório
 - Se fizéssemos essa pergunta ao evangelista João, ele certamente diria que no princípio era o Verbo, e não estaria dizendo pouco. Quer dizer, essa relação entre literatura e teologia já aparece na origem, ou na aurora do mundo, como se fosse uma culpa ou um pecado original. Na antigüidade grega, encontramos a doutrina do entusiasmo, que associa a inspiração poética à profecia ou mesmo à possessão por um Deus. No mundo judaico, não se concebe a escrita a não ser dentro de uma ligação muito forte com o divino. O profeta Ezequiel engoliu “goela abaixo” o rolo de um livro e ainda teve de antecipar o prazer do texto de Roland Barthes  dizendo, meio sem graça, que o livro lhe era doce como o mel. É claro que não podemos esquecer os poemas que são os textos fundantes de outras grandes tradições religiosas, como, por exemplo, o Bhagavad-Gita.  Mas se, por uma questão de método, permanecermos na trilha judaico-cristã, vamos encontrar, a seguir, esse monumental biografema, as Confissões de Santo Agostinho, a empresa editorial de São Jerônimo, a escola de Hugo de San Victor, Dante, São João da Cruz, Teresa d’Ávila, Sóror Juana Inês... E depois - não dá para lembrar tudo - Derrida  vem nos dizer que a letra é sempre roubada e o Deus bíblico transmigra para a literatura profana, se esconde na poesia, se disfarça no romance e, por vezes, dá as caras no cinema. Por que já se pôde dizer que o Ulysses de Joyce  é um romance teológico? Porque o Deus bíblico é esperto, deixa rastros, e isso de propósito, para não o esquecermos, para ficarmos sempre no seu encalço, nessa agonia que vitimou desde os antigos profetas até uma Simone de Beauvoir:  “onde está ele?”. O fato é que o sagrado e o profano se encontram na literatura, sendo a poesia a última forma de êxtase ou, como diz Murilo Mendes,  a transubstanciação do leigo no sagrado. Então, resumindo: foram e são relações profundas, essas que se dão nas camadas subterrâneas do texto. E os teólogos e os críticos, mais do que nunca, estão descobrindo isso.
IHU On-Line - São relações pacíficas ou literatura e teologia são “irmãs inimigas”? Por quê?
Waldecy Tenório
 - Pacíficas nunca foram, nunca serão, e é bom que assim seja. Elas poderiam subscrever, juntas, aquele famoso verso de Petrarca,  que começa assim: “Pace no trovo” (não tenho paz), e termina dizendo que “non ho da far guerra” (não posso fazer a guerra). As duas têm a mesma idade, nasceram na mesma época, a poesia era a alma dos ritos religiosos. Com o tempo, a teologia foi se transformando numa senhora sisuda, muito respeitável, uma velhinha que não tira nunca o véu da cabeça, enquanto a outra parece mais jovem, irreverente, a louca da casa, de reputação às vezes duvidosa, e é claro que isso acabou por criar um certo conflito ou uma certa desconfiança entre as duas. Mas acredito que a principal razão disso é que uma tem ciúme da outra porque ambas são apaixonadas pelo ser humano. O ciúme as faz viver de pé atrás, às vezes nem se olham, de forma que, parodiando Bernard Shaw,  quando elas se beijam é porque não podem se morder. Essa tensão foi captada por Drummond  quando escreve esse verso que soa como a encruzilhada do eu lírico desesperado: “Meu Deus e meu conflito”. Ora, esse conflito é muito rico, não pode ser jogado fora nem por uma “literatura edificante” nem por uma “religiosidade melosa” do tipo new age. Por isso é bom que as comadres continuem assim, desconfiando uma da outra.
IHU On-Line - Há um certo distanciamento entre teólogos e críticos literários. O que acontece? Dogmatismo, positivismo, ateísmo ou desconhecimento mútuo?
Waldecy Tenório
 - É tudo isso mesmo que se reúne na pergunta, esse coquetel Molotov, cujo ingrediente mais forte é justamente o dogmatismo. Isso é uma doença que vem de longe e contra ela não existe vacina. De um lado, o dogmatismo teológico. Disse antes que, na origem, há cumplicidade entre literatura e teologia. Só como exemplo, lembremos os poetas teólogos de Platão e os cantos líricos em louvor da divindade. Começa assim essa história, e vai indo muito bem, até que a teologia se converte em doutrina e se começa a falar em Verdade, assim, com maiúscula. Ora, diante de alguém que fala desse jeito, o outro é sempre suspeito e passível de condenação. É assim que o teólogo vai se transformando num comissário, guardião de uma doutrina, único depositário da verdade. O crítico literário, por sua vez, é envolvido pelo que já se chamou de o “demônio da teoria”, e esse demônio sempre se disfarça no interior da ideologia da época: o racionalismo, o positivismo, o ateísmo... E aí, quando os demônios põem as garras de fora, acontece uma pororoca: o encontro do dogmatismo religioso com o dogmatismo laico, e então entram em cena as famosas hermenêuticas redutoras. Para piorar as coisas, os teólogos têm um vício muito antigo e insuportável: estão sempre procurando uma ancilla, na pior das hipóteses, um sacristão alfabetizado para ser portador de uma “mensagem”. A literatura, que segundo Barthes, desafia o Pai Político e o Pai Religioso, não aceita esse papel. E o que acontece? Platão expulsa os poetas da República, o Papa os ameaça com a excomunhão e o secretário-geral do Partido diz que são reacionários porque não adotam as “posições corretas” do Grande Irmão. Quando se encontram, teólogos e críticos literários só podem ficar mesmo meio ressabiados e distantes, no mínimo, sem jeito. Diálogo? De um lado, um risinho amarelo – filosófico -, do outro, um risinho amarelo - teologal. E fica nisso.
IHU On-Line - Quando se fala em literatura e teologia, a Igreja é sempre lembrada. Essa lembrança se dá em termos positivos ou negativos. Por quê?
Waldecy Tenório
 - Essa pergunta é um convite para um pequeno passeio pela história da intolerância religiosa. Os que gostam de erudição poderão começar pelo brado retumbante de Tertuliano:  “O que há entre Atenas e Jerusalém?”. Mas não precisamos ir tão longe porque o dogmatismo e o fanatismo são venenos que chegam até os nossos dias. Não é raro se ouvir um inacreditável “Não vi e não gostei” vindo do interior de alguma sacristia ou, se dormirmos no ponto, de alguma repartição pública, para ensinar como é que o romance ou o teatro devem tratar de algum tema. Saramago  é um exemplo, sofreu isso recentemente. Quem não se horroriza, pois, só de pensar naqueles “leitores terríveis” de que nos fala Octavio Paz?  O arcebispo que perseguia Sóror Juana Inês  era um deles. Tudo isso contribui para reforçar o lado negativo da Igreja, quando se trata de pensar a relação entre literatura e teologia. Mas precisamos ver também o outro lado, o mal não reina assim absoluto. É muito significativa a história de Walter Miller  sobre os monges que decoravam os livros a fim de preservá-los para o dia em que os homens tivessem a nostalgia da cultura, o que evidentemente nos faz lembrar os monges e os livros na Idade Média. De modo que nem tudo é obscurantismo. Podemos lembrar a esse respeito um célebre encontro entre Graham Greene  e o Papa Paulo VI.  Lá pelas tantas o escritor lembrou-se de perguntar: “O senhor sabe que O Poder e a Glória estão no Índex dos livros proibidos?”. O papa arregalou os olhos: “Quem fez isso?”. “O cardeal tal”, disse o escritor. Paulo VI balançou a cabeça e fez um gesto como quem diz: “esqueça o cardeal tal”.
IHU On-Line - Karl-Josef Kuschel insinua que Deus é um péssimo princípio estilístico. Vindo de um teólogo católico, o que isso significa?
Waldecy Tenório
 - Frank Kermode, um dos mais importantes críticos literários da atualidade, conclui um dos seus ensaios dizendo que os teólogos estão interessados numa espécie de acordo como o que foi feito entre a psicanálise e a ficção. Em outras palavras, eles estão interessados numa aproximação entre a teologia e a crítica literária. Uma prova disso talvez seja justamente o livro Os escritores e as escrituras,  no qual Kuschel  coloca a frase que está no centro dessa pergunta: Deus como um péssimo princípio estilístico. Para avaliarmos o sentido dessa expressão, precisamos lembrar que Kuschel fala como um renomado teólogo católico e um grande conhecedor da literatura, de que dão prova seus estudos sobre Kafka  e a literatura alemã em geral. E o que ele diz nesse livro? Paulo Soethe , que escreve o prefácio, resume bem a questão, dizendo que Kuschel afasta-se da arrogância de quem manipula a poesia e a ficção com fins religiosos e também da obtusidade de quem elide, nos textos, os elementos ligados à religião e à fé. A frase de Kuschel, portanto, soa como uma advertência contra essas duas posições sectárias e significa a abertura de um caminho por onde teólogos e críticos literários possam dialogar. E isso melhora muito a situação da Igreja diante dos críticos literários, que, por sua vez, também precisam jogar fora a armadura dos seus dogmatismos. Além disso, quando se fala na aproximação entre literatura e teologia não se pode ficar preso à tradição cristã ou católica. É preciso pensar mais longe, ir em busca da prisca theologia, para colocar aí a relação imemorial do homem com o divino, em suas múltiplas formas e na expressão própria de cada tradição.

IHU On-Line - Há lugar na universidade para o diálogo entre literatura e teologia? Podemos dizer que existe uma pesquisa significativa, nessa área, na América Latina e no Brasil?
Waldecy Tenório
 - Não faz muito, Umberto Eco  nos contou a história de um estudante que, em plena aula, perguntou: “professor, na época da internet, o senhor ainda serve para alguma coisa?”. Claro que uma pergunta como essa é um desafio: onde está, afinal, a essência do ato pedagógico? Por outras palavras, de que se trata? Armazenar informações? Desenvolver habilidades para fazer alguma coisa? Responder às necessidades do mercado? Se for só isso, realmente o professor, não digo que seja dispensável, mas sua função estaria mesmo tão diminuída que a pergunta daquele estudante não seria um disparate completo. Acontece, porém, que o ato pedagógico tem a ver com outras águas, tem a ver com a correnteza principal do rio que fertiliza a condição humana e deve fertilizar a escola. Ou seja, a educação deve entrar no cenário da cultura como um antídoto para o esquecimento do ser, e aí o diálogo entre literatura e teologia é de uma enorme pertinência. E, felizmente, tem produzido trabalhos de boa qualidade, em diversos países e no Brasil. Desse diálogo, pode brotar a resposta que Shakespeare está esperando de nós há mais de três séculos: a resposta para a questão do ser ou não ser.
IHU On-Line - Além da crença, o diálogo entre literatura e teologia tematiza também a questão do ceticismo?
Waldecy Tenório
 - Claro, não seria possível desconhecer o encontro entre a fé e o ceticismo no interior da literatura. A literatura traz em si todos os sentimentos humanos: amor, ódio, alegria, tristeza, angústia, desespero, esperança, dúvida, fé... Deus e o diabo são personagens obrigatórios, embora às vezes clandestinos, escondidos sob mil disfarces. O Bem e o Mal, o mistério que todos somos, tudo isso pulsa no romance e na poesia. E depois, lembrando Tillich,  Deus está pressuposto na própria situação de dúvida em relação a ele. Então, não há como escapar. A literatura oscila, então, entre o ceticismo e a fé, e daí o desespero e a angústia dos escritores, céticos ou crentes. Uns acreditam, outros não, muitos se desesperam. E há aqueles sempre marcados por uma profunda nostalgia. Não há dúvida de que a fé e o ceticismo são as duas faces de uma mesma moeda, duelam no fundo obscuro do texto como no fundo obscuro da vida. Lembro Sartre  falando de Deus. É surpreendente e muito bonito: “como não conseguiu enraizar-se no meu coração, Deus vegetou em mim algum tempo e depois morreu. Hoje, quando me falam dele, como o homem que encontra uma antiga namorada e sente uma profunda nostalgia, eu penso: há cinqüenta anos, sem aquele mal-entendido que nos separou, poderia ter havido alguma coisa entre nós...”.
IHU On-Line - Fazendo um exercício de leitura teopoética, como aparece a relação entre crença e ceticismo na poesia de João Cabral de Melo Neto? Como caracterizar o sagrado em seus poemas?
Waldecy Tenório
 - João Cabral  é um caso exemplar na poesia moderna brasileira. Os ensaios que escreveu, entre os quais podemos lembrar, “Considerações sobre o poeta dormindo”, “A inspiração e o trabalho de arte”, bem como seu estudo sobre Joan Miró,  podem ser incluídos naquela grande tradição dos poetas críticos estudados por Leyla Perrone-Moisés. Basta dizer que a sua “angústia da influência” tem um nome, por si, emblemático: Paul Valéry.  Ora, se os surrealistas queriam que o poema fosse a derrota do intelecto, Valéry pensa diferente. Sua obsessão é o ostinato rigore de Da Vinci e, portanto, para ele, o poema deve ser “a festa do intelecto”. Valéry escreve sob o domínio do claro, do exato, do racional. Seguindo nessa trilha, nosso poeta abandona o momento romântico no qual, segundo Pristley, vivíamos batendo palmas para a sombra da lua e toma outro rumo, vai celebrar o sol. Estamos em pleno Iluminismo, como mostra o poema “A cana e o século XVIII”, no qual “a cana é pura enciclopedista /no geométrico, no ser de dia/ na incapacidade de dar sombras/ mal-assombradas, coisas medonhas”. Aqui o sobrenatural não tem vez, tanto mais que João Cabral é ateu e, diz ele, nasceu sem transcendência. No entanto, como em certa canção da MPB, o inesperado faz uma surpresa e o leitor, se estiver atento, é testemunha de uma mudança. A conhecida frase de Adorno,  segundo a qual “o mundo totalmente iluminado brilha sob a luz de uma terrível desventura”, encontra sua tradução num verso que diz “Dá-se que hoje dói na vida tanta luz”. Resumindo: a poesia de João Cabral acaba por descobrir que o racionalismo nos desumanizou. No mundo da técnica sem o suplemento de alma que Bergson  reclamava e no mundo da ciência sem consciência que Morin denunciou, “o esquadro disfarça o eclipse/ que os homens não querem ver”. O eclipse é a crise do homem e então o poeta revoluciona a sua astronomia dizendo que “nova espécie de sol/ eu, sem contar, descobria”. A nova espécie de sol é o ser humano e então, da fase marcada pela astronomia, sua obra passa para uma fase marcada pela antropologia. Não é mais o racional nem o econômico, é o humano que conta. Ora, Rahner nos ensinou que da antropologia para a teologia é um passo. Ao descobrir o homem, João Cabral descobre a sua própria transcendência. E o extraordinário é que se trata de uma mulher. A bailadora andaluza revoluciona a astronomia do poeta quando faz a conexão com o sagrado, aquele sagrado que explode nem que seja na vida severina. Por isso, deixe agora que eu lhe diga, quem aconselha o retirante a pular para dentro da vida? Pode ser Seu José, mas também pode ser São José mestre carpina. Por que não?


11 de abril de 2015

Deus e Eu no Sertão

Nesta semana fiz uma atividade interessante: Analisar a conotação religiosa que uma música "do mundo" tem, ao passo que muitas canções "para Deus" não possuem nem o rastro de intenções divinas, mas sim antropocêntricas.

Vale a pena verem o vídeo.

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